A prioridade da ética

23-11-2011 12:00

 

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Dois tipos de manifestações estão surgindo no coração da sociedade como reclamações urgentes.  De um lado, estão se encorpando os protestos contra a corrupção.  Não se pode calar diante de desmandos e de atos que corroem o bem de todos.  Por outro lado, cresce a reclamação diante da avalanche legislativa enlouquecedora.  Noticia-se que, nas últimas duas décadas, foram criadas 4,2 milhões de leis no Brasil.  O grande número, junto com as dificuldades de interpretação que podem ser explicadas pela predominância de um texto excessivamente rebuscado, prejudica o usufruto da legislação.  Também dificulta o próprio respeito às regras pelos cidadãos. 

Apesar de todo esse arcabouço legislativo, sente-se falta de procedimentos legais que regulamentem esferas de grande importância para a vida em sociedade e possam garantir a indispensável transparência, remédio contra corrupção.  Por exemplo, pergunta-se por que está parada a tramitação da lei de transparência, que obriga o governo a divulgar as informações sobre a execução de contratos com empresas privadas.  Sem uma resposta, é possível concluir que o sistema tem leis em abundância, mas, ao mesmo tempo, carece de regulamentação.  Uma necessidade evidente, ao se considerar a complexa e múltipla realidade contemporânea, com suas marcas globais e com suas múltiplas possibilidades de intercâmbio e participação.

Voltando, no entanto, ao movimento de combate à corrupção, contracenando com a avalanche legislativa, um desafio para a interpretação e a prática, parece sempre oportuno remeter a reflexão à questão da ética.  Ora, não se pode dispensar o foro privilegiado da consciência presidindo condutas, garantindo respeito aos direitos, o sentido de legalidade e a exigência primeira de fidelidade à verdade, à justiça e ao amor.  Não se pode pensar que toda a estrutura legislativa por si só será suficiente para a conquista da transparência e o combate à corrupção.  É preciso priorizar a dimensão ética.  A relativização dessa prioridade nos processos formativos, de diferentes níveis e para os diversos públicos, certamente compromete o exercício da cidadania.

O raciocínio é que a formação técnica, por exemplo, para atender demandas do mercado de trabalho, com suas diferentes expertises - possibilidades interessantes e indispensáveis - não pode ser considerada como suficiente.  A ética é uma aprendizagem necessária que precisa ser priorizada no contexto sócio-político contemporâneo.  É composição insubstituível na configuração dos processos educativos.  Não se consegue manter o controle apenas porque existe uma lei.  As leis são muitas, mas o respeito à legislação não tem sido proporcional à conta amarga que se paga pelos atentados contra o erário público e a vida, não raramente de modo irreversível.

Há um núcleo que precisa ser cuidado.  É o núcleo recôndito da consciência.  A formação da consciência é uma demanda fundamental.  Do contrário, mesmo com as leis - tantas gerando dificuldades de interpretação, execução e, consequentemente, respeito - se legislará sempre mais e se avançará muito pouco.  Será mais difícil a conquista da dignidade, do decoro ético e do apreço a uma conduta pautada pela verdade, fiel à palavra dada, aos valores e princípios básicos.

O sucateamento da educação - particularmente no âmbito da escola pública - que ocorre junto com o avanço da dependência química, da violência, do atentado contra vida - entre outros horrores - assim como a crise na vida familiar e profissional, não serão revertidos sem que a ética se torne prioridade.  Não se trata apenas de apresentação de narrativas sobre valores e princípios.  O investimento se refere à opção fundamental de cada indivíduo.

Uma decisão que brota do centro da personalidade, do coração - com a força de condicionar todos os outros atos, com uma densidade tal que, abrangendo totalmente a pessoa, orienta e dá sentido à sua vida.  Essa opção fundamental é a expressão básica da moralidade, que se aprende e se cultiva. Não se localiza simplesmente do lado de fora, na objetividade legislativa ou nos indispensáveis mecanismos de controle.  Há uma vida moral que precisa ser sempre almejada e pode ser conquistada, quando a ética torna-se prioridade.